Neurociência como métrica de eficácia da propaganda

Estimativas mostram que uma pessoa assiste em média, diariamente, a 90 propagandas. Com este bombardeio de conteúdos é previsível que o consumidor ignore uma grande parte delas.

É natural, também, que os esforços de marketing  busquem cada vez mais potencializar o sucesso de uma propaganda, garantindo que ela transmita a mensagem mais íntegra, o máximo possível conectado à marca e, que ainda consiga se destacar da enxurrada cotidiana de propagandas.

A verdade é que não dá para garantir uma receita de sucesso, mas pode-se adicionar alguns temperos  à mistura. Um avanço nesse sentido foi dado a partir da utilização das ferramentas de neurociência na avaliação de peças de comunicação. Com o uso de recursos biosensoriais, como o Eyetracking, a medida de ondas cerebrais e a codificação facial, já é possível estruturar alguns aprendizados que complementam o conhecimento  de vários anos avaliando comunicação.

Para ter idéia da contribuição incremental destes recursos  é preciso analisar a propaganda sob a ótica do gênero literário que ela representa. Assim como num romance, num filme ou numa novela, a propaganda é uma estória e está sujeita às mesmas estruturas da narrativa que pode ser simplificada em três elementos básicos: os personagens em seu contexto, o dilema com que o personagem se depara e que desencadeia a trama, e o clímax, que resolve a tensão apresentada.

Qual a grande diferença, então, entre o filme ou o romance e a propaganda? Os miseráveis 30 segundos de um comercial, que dentro dessa restrição deve ser capaz de transmitir idéias, negociar, mostrar novidades com a máxima eficácia e em tempo recorde.

capa face neuro (1)

Apresentação dos personagens

Os segundos iniciais são cruciais para o espectador identificar o tom, o interlocutor, os objetivos da comunicação, e com isso determinar – inconscientemente – o nível de interesse dispensado ao comercial. Repare que do ponto de vista consciente, o espectador não tem clareza, rapidez e nem mesmo a crítica para verbalizar que o comercial não foi capaz de gerar empatia ou que os momentos iniciais não foram suficientes para motivá-lo a assistir o filme até o fim.

Nesta etapa é crucial que rapidamente se obtenha o engajamento do espectador. Malcolm Gladwell, no seu livro Blink, comenta o processo mental com que o cérebro toma decisões com o mínimo de informação disponível. Assim, o espectador decide intuitiva e inconscientemente, nos primeiros segundos de uma propaganda, se ela vai ou não interessá-lo. As informações que ele colhe passam por qualquer elemento visual, conceitual ou  auditivo que permita algum traço de reconhecimento do que importa na mensagem: o interlocutor e seu objetivo.

Com a medição de pulsos cerebrais identificamos padrões para essa etapa: um bom nível de engajamento nos primeiros 1,8 segundos do filme potencializam o padrão de resposta emocional e cognitiva ao longo dos demais 28 segundos. Se levar mais de 7,3 segundos, é morte certa para o filme.

Muitas vezes, pela necessidade de comunicar muitas idéias, uma introdução lenta ou  rápida demais ou confusa dos personagens ‘espreme’ uma grande quantidade de informações no seu início, perturbando a sutileza da relação de engajamento. O mesmo ocorre quando a narrativa abusa do uso de recursos de suspense. Esse recurso, caso o espectador não ‘embarque’ na proposta, frustra os esforços cognitivos, resultando numa resposta emocional negativa. Seu uso não é proibido, mas é um recurso arriscado: a piada ou a revelação no final deve valer muito a pena para compensar o começo incerto.

 

O dilema do personagem

Logo após a apresentação é o momento de gerar identidade do espectador com o personagem e seus dilemas.  Situações críveis e relevantes são capazes de induzir o espectador a colocar-se no lugar dos personagens, a solidarizar-se com ele e identificar-se com suas limitações. Ou pode pensar que o problema tratado não tem nada a ver com ele.

É importante que a situação seja tratada muito claramente. Nesses momentos, tanto  o eyetracking quanto a medida de pulsos cerebrais são ferramentas valiosas. Para compreender uma mensagem curta de texto são necessários ao menos 1/4 de segundo de observação e para uma imagem ainda mais tempo: 1/3 de segundo, o que exige cenas com exposição de pelo menos meio segundo ou mais, dependendo de sua complexidade.

Em problemas de abordagem mais delicada, a propaganda confere um tratamento sutil demais, receando estimular desconforto ao espectador. Isto pode levar a um entendimento incompleto da questão e, com isso, à baixa relevância da solução proposta.

Uma identificação clara do problema e de sua gravidade costuma ter como resposta a atração ou a repulsa emocional. Ambas são válidas. Depende da estratégia narrativa.

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O desfecho

É o momento do registro da marca, da ação do produto, onde tudo passa a fazer sentido. Relevância é o nome do jogo, para que o espectador tenha uma idéia clara da solução apresentada e sobretudo dos benefícios que a marca pode trazer. Saber as versões do produto não é suficiente. É preciso que o espectador goste do que está vendo e mantenha a atenção desperta. É muito comum que o nível de atenção entre em declínio após 25 segundos até o final, reduzindo muito a relevância do clímax e a interação com os momentos de exposição à marca.

Novamente, o vilão costuma ser o excesso de mensagens. O engajamento fica mais objetivo quando o produto concentra seu discurso no que é mais importante e mobilizador. Até mesmo o packshot deve ter um objetivo modesto , livrando-se dos excessos. As variantes de embalagem, website e telefone para contato pulverizam a atenção e reduzem o interesse a níveis muito baixos.

Elementos de reconhecimento familiares ao consumidor, como assinatura curta, consistente e perene, com imagem e audio de referência, despertam um engajamento emocional surpreendente. É possível que funcionem como um jingle. Que atire a primeira pedra quem nunca cantarolou as últimas notas de um bom jingle ao final da propaganda.

Artigo escrito por Mauro Fusco, Diretor Cientifico da Millward Brown Brasil para o Instituto Brasileiro de Neuromarketing e Neuroeconomia.


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